terça-feira, 29 de maio de 2012

O Portão Secreto para o Éden


No Túmulo de Christian Rosencreutz

No Túmulo de Christian Rosencreutz

Fernando Pessoa

I

Quando, despertos deste sono, a vida,
Soubermos o que somos, e o que foi
Essa queda até Corpo, essa descida
Até à Noite que nos a Alma obstrui,
Conheceremos pois toda a escondida
Verdade do que é tudo que há ou flui?
Não: nem na Alma livre é conhecida...
Nem Deus, que nos criou, em Si a inclui.

Deus é o Homem de outro Deus maior:
Adam Supremo, também teve Queda;
Também, como foi nosso Criador,

Foi criado, e a Verdade lhe morreu...
De além o Abismo, Sprito Seu, Lha veda;
Aquém não a há no Mundo, Corpo Seu.

II

Mas antes era o Verbo, aqui perdido
Quando a Infinita Luz, já apagada,
Do Caos, chão do Ser, for levantada
Em Sombra, e o Verbo ausente escurecido.

Mas se a Alma sente a sua forma errada,
Em si, que é Sombra, vê enfim luzido
O Verbo deste mundo, humano e ungido,
Rosa Perfeita, em Deus crucificada.

Então, senhores do limiar dos Céus,
Podemos ir buscar além de Deus
O Segredo do Mestre e o Bem profundo;

Não só de aqui, mas já de nós, despertos,
No sangue atual de Cristo enfim libertos
Do a Deus que morre a geração do Mundo.

III

Ah, mas aqui, onde irreais erramos,
Dormimos o que somos, e a verdade,
Inda que enfim em sonhos a vejamos,
Vemo-la, porque em sonho, em falsidade.
Sombras buscando corpos, se os achamos
Como sentir a sua realidade?
Com mãos de sombra, Sombras, que tocamos?
Nosso toque é ausência e vacuidade.

Quem desta Alma fechada nos liberta?
Sem ver, ouvimos para além da sala
De ser: mas como, aqui, a porta aberta?

[…]
Calmo na falsa morte a nós exposto,
O Livro ocluso contra o peito posto,
Nosso Pai Rosa e a cruz conhece e cala.

Outros Axiomas Herméticos

"Os lábios da Sabedoria estão fechados, exceto aos ouvidos do Entendimento."

"Em qualquer lugar que se achem os vestígios do Mestre, os ouvidos daqueles que estiverem preparados para receber o seu Ensinamento se abrirão completamente."

"Quando os ouvidos do discípulo estão preparados para ouvir, então vêm os lábios para enchê-los com Sabedoria."

"Os Princípios da Verdade são Sete; aquele que os conhece perfeitamente possui a Chave Mágica com a qual todas as Portas do Templo podem ser abertas completamente."

"A Mente (tão bem como os metais e os elementos) pode ser transmutada de estado em estado, de grau em grau, de condição em condição, de pólo em pólo, de vibração em vibração. A verdadeira transmutação hermética é uma Arte Mental."

"Para mudar a vossa disposição ou vosso estado mental, mudai a vossa vibração."

"Para destruir uma desagradável ordem de vibração mental, ponde em movimento o Princípio de Polaridade e concentrai-vos no pólo oposto ao que desejais suprimir. Destruí o desagradável mudando sua polaridade."

"O Ritmo pode ser neutralizado pela aplicação da Arte de Polarização."

"Sob as aparências do Universo, do Tempo, do Espaço e da Mobilidade, está sempre encoberta a Realidade Substancial: a Verdade fundamental."

"Aquele que é a Verdade Fundamental, a Realidade Substancial, está fora de uma verdadeira denominação, mas o sábio chama-o O Todo."

"Na sua Essência, O Todo é incognoscível."

"Mas os testemunhos da Razão devem ser hospitaleiramente recebidos e tratados com respeito."

"O Universo é Mental: ele está dentro da mente d'O Todo."

"O Todo cria na sua Mente infinita inumeráveis Universos, que existem por eons de Tempo; e, contudo, para O Todo, a criação, o desenvolvimento, o declínio e a morte de um milhão de Universos é como que o tempo do pestanejar dum olho."

"A Mente Infinita d'O Todo é a matriz dos Universos."

"Dentro da Mente Pai-Mãe, o filho mortal está na sua morada."

"Não há nenhum órfão de Pai ou de Mãe no Universo."

"Enquanto Tudo está n'O Todo, é também verdade que O Todo está em Tudo. Aquele que compreende esta Verdade alcançou o grande conhecimento."

"Os falsos sábios, reconhecendo a irrealidade comparativa do Universo, imaginaram que podiam transgredir as suas Leis: estes tais são vãos e presunçosos loucos; eles se quebram na rocha e são feitos em pedaços pelos elementos, por causa da sua loucura. O verdadeiro Sábio, conhecendo a natureza do Universo, emprega a Lei contra as leis, o superior contra o inferior; e pela Arte da Alquimia transmuta aquilo que é desagradável naquilo que é agradável, e deste modo triunfa. O Domínio não consiste em sonhos anormais, em visões, em vida e imaginações fantásticas, mas sim no emprego das forças superiores contra as inferiores, escapando assim das penas dos planos inferiores pela vibração nos superiores. A Transmutação não é uma denegação presunçosa, é a arma ofensiva do Mestre."

"A posse do Conhecimento sem ser acompanhada de uma manifestação ou expressão em Ação é como o amontoamento de metais preciosos, uma coisa vã e tola. O Conhecimento é, como a riqueza, destinado ao Uso. A Lei do Uso é Universal, e aquele que viola esta Lei sofre por causa do seu conflito com as forças naturais."

Introdução aos Ritos e Rituais Herméticos e Alquímicos do Século XVIII

Introdução aos Ritos e Rituais
Herméticos e Alquímicos do Século XVIII

José Manuel Anes

A Alquimia operativo-laboratorial (1) - a que é praticada em laboratório - é um
rito sacrificial em que o alquimista sacrifica a matéria, constituindo esse rito (2)
urna actividade individual. Apesar disso, os alquimistas reuniam-se por vezes em
escolas, mesmo que reduzidas ao Mestre e ao discípulo, e trocavam opiniões
entre si dentro de uma mesma escola, ou entre alquimistas de diversas escolas
(3).
Existiram, no entanto, a partir de meados do século XVIII (e sobretudo nesse
século), ritos e rituais herméticos e alquímicos que não pretendiam fazer alquimia,
mas preparar o candidato para uma assimilação dos princípios herméticos e da
prática alquímica, num contexto ritual e dentro de um grupo organizado, através
de uma cerimonia iniciática onde seriam revelados - na iniciação, na instrução e
no catecismo - os segredos alquímicos.
Grande parte desses ritos e rituais foram criados num contexto maçônico,
constituindo (altos) graus maçônicos, como o ritual (do grau) de Cavaleiro do Sol,
ou mesmo um sistema (rito) maçônico, como o Rito Hermético de Dom Pernety,
ou a Estrela Flamejante do Barão de Tschoudy.
Ocorre, a propósito, referir que alguns destes graus herméticos ou alquímicos
ocorreram no seio da Maçonaria "dos Antigos", ou do universo maçônico por ela
influenciado (e que tem raiz no hermetismo renascentista, nos Rosa-Cruzes do
século XVII, etc.), mais aberta (e mesmo entusiasta) a receber ensinamentos
provenientes de correntes esotéricas como a Cabala, a Teurgia, a Alquimia,
etc., e interpretações esotéricas de tradições como a Cavalaria - como os
ritos "escoceses", quer o Antigo e Aceite, quer o Rectificado, mas também os
ritos de York, da Ordem Real da Escócia (Heredom de Kilwining e Cavaleiro
Rosa-Cruz) e do Rito Sueco, proveniente, como o Rito Escoçês Rectificado,
da maçonaria da Estrita Observância Templária alemã, e mesmo, ainda que
não "regulares", os ritos "egípcios" de Cagliostro, de Misraim, etc. -, o que não
se passa, de modo algum, na Maçonaria mais exotérica "dos Modernos" (como,
p.ex., o Rito de Emulação, inglês, e o Rito Francês) (4).
Vamos analisar, brevemente, alguns desses rituais e ritos - maçônicos ou para-
maçônicos -do séc. XVIII (o último dos quais, o de Misraim, fixado em começos do
século XIX, a partir de materiais do século XVIII).
A) O "Ritual alquímico secreto do grau de verdadeiro maçon académico" (1770)
(5) de Dom Pernety (1716-1796) e dos seus "Iluminados de Avignon".

Antoine Joseph Pernety (Dom Pernety) nasceu em 1716 em Roanne-en-Forez e
pronunciou os votos como beneditino da congregação de Saint-Maur, em 1732,
na Abadia de Saint-Alllire de Clermont. Muito inteligente e culto - versado em
Matemáticas, Ciências Naturais (participa na expedição de Louis de Bouganville
às Ilhas Maldivas) e Pintura e Escultura (6) -ele encontra, na biblioteca da Abadia
de Saint-Germain-des-Prés, o livro do abade Lenglet-Dufresnoy, Histoire de la
Philosophie hermétique (Paris, 1742), completado com a tradução do Véritable
Philalète (Entré au Palais fermé du Roi), que desperta nele uma paixão que
perdurará até ao fim da sua vida: a Alquimia. Em 1758 (e 1786) (7), publicará
as Fables égyptiennes et grecques dévoilées et réduites au même principe e
em 1758 (e 1787), o Dictionnaire mytho-hermétique, dans lequel on trouve les
allégories fabuleuses des poètes, les métaphores, les énigmes et les termes
barbares des philosophes hermétiques expliqués (B) . Em ambos os livros
(mas particularmente no primeiro, ao qual ele se refere constantemente no
Dictionnaire), Dom Pernety propõe-se dar uma explicação alquímica das "fábulas"
da Antiguidade (Elíada, Odisseia, etc.) e também dos mitos religiosos egípcios
que, segundo ele, conteriam todos os segredos da Grande Obra.
Tendo entrado em conflito com a congregação monástica beneditina de Saint-
Germain-des-Prés, o nosso abade chega a Avignon em 1766, onde propõe
desde logo um novo rito maçônico, o rito hermético, que foi adoptado pela Loja
aristocrática dos Sectateurs de la Vertu (à qual ele parece aderir sem sabermos se
ele já era maçom anteriormente ou se nela foi iniciado).
O rito (ou regime) de Pernety - inteiramente baseado no Hermetismo e destinado
a cristãos discretamente sapientes (9) - era constituído por seis (altos) graus, para
além dos três graus simbólicos (de Aprendiz, de Companheiro e de Mestre):

1. Verdadeiro Maçom

2. Verdadeiro Maçom na via recta

3. Cavaleiro da Chave de Ouro

4. Cavaleiro da Iris

5. Cavaleiro dos Argonautas

6. Cavaleiro do Tosão de Ouro.

O ensino hermético era dado pelo Orador da Loja, desde o primeiro alto grau (de
Verdadeiro Maçom): «Ia science à laquelle nous vous initions, est Ia premiere et
Ia plus ancienne de toutes les sciences. Elle émane de Ia nature, ou plutôt c' est
Ia nature elle-même, perfectionnée par I' art et fondée sur I' expérience. Dans
tous les siècles, il y a eu des adeptes de cette science, et si, de nos jours, des
chercheurs y consument en vain leurs biens, leurs travaux et leurs temps, c'est
que, loin d'imiter Ia simplicité de Ia nature et de suivre des voies droites qu' elle
trace, ils Ia parent d'un fard qu' elle ne peut souffrir et s' égarent dans un labyrinthe
où leur folle imagination les entraîne.(10)
A partir de 1766-7, Dom Pemety está em Berlin como bibliotecário de Frederico
II. Nesta cidade conhece outros hermetistas, toma contato com as doutrinas de
E. Swedenborg (relativo aos contatos com entidades celestes) e aperfeiçoa o
seu Rito Hermético. Em 1783 recebe a "Santa Palavra" de uma entidade celestial
que lhe ordena que abandone a Prússia e retome a Avignon, para fundar o grupo
dos "Iluminados" - na sequência dos "Iluminados de Berlim", a que pertencera. Em
1787, o Rito tem cerca de uma centena de elementos e em 1789 é já célebre nos
meios esotéricos.
A Instrução (ou Catecismo) - do Grau de Verdadeiro Maçom Acadêmico - contém
perguntas e respostas (11) relativas à teoria alquímica e também algumas alusões
à sua prática (tradução é nossa):
P. -Por onde andaste?
R. -A percorrer o céu e a terra.
P. -O que viste?
R. -O caos.
P. -Quem o criou?
R. -Deus.
P. - Quem o produziu?
R. -A Natureza.
P. -Quem o aperfeiçoou?
R. -Deus, a natureza e a arte.
P. -O que entendes por caos?
R. -A matéria universal sem forma e susceptivel de adquirir toda a forma.
P. -Qual é a sua forma?
R. -A luz encerrada nas sementes de toda a espécie.
P. -Qual é a sua ligação?
R. -O espirito universal cido.
P. - Sabes trabalhar a matéria universal?
R. -Sim, Sapientíssimo.
P. -De que é que te serves para esse fim?
R. -Do fogo interno e externo.
P. -O que é que resulta disso?
R. -Os quatro elementos que são os princípios principiantes e mediantes.
P. -Como é que eles se denominam?
R. -O fogo, o ar, a água e a terra.
P. -Quais são as suas qualidades?
R. -O quente, o seco, o frio e o úmido. Acopuladas duas a duas, dão
respectivamente: a terra, seca e fria; a água, fria e úmida; o ar, úmido e quente;
o fogo, quente e seco, o qual se vem a conjugar com a terra, pois os elementos
são circulares como o vento, o nosso pai Hermes.
P. -O que é que produz a mistura dos quatro elementos? E as qualidades de que
tudo é composto?
R. -Os trés princípios principiantes mediatos.
P. -Que nome Lhes dás?
R. -Mercúrio, enxofre e sal.
P. -O que entendes por mercúrio, enxofre e sal?
R. -Eu entendo-os como mercúrio, enxofre e sal filosóficos e não vulgares.
P. -O que é o mercúrio filosófico?
R. -É uma água e um espírito que dissolve e sublima o sal.
P. -E o que é o enxofre?
R. -É um fogo e uma alma que o guia e o colora.
P. -O que é o sal?
R. -É uma terra e um corpo que se congela e se fixa e tudo isso se faz mediante o
veiculo do ar.
P. -O que decorre destes três princípios?
R. -Os quatro elementos rodopiados como diz Hermes, ou os grandes elementos
como diz Raimundo Lúlio, que são o mercúrio, o enxofre, o sal e o vidro, dos quais
dois voláteis, a saber a água e o ar, que é o óleo, porque toda a substância liquida
pela sua natureza dissipa o fogo, e a terra pura que é o vidro sobre o qual o fogo
não tem ação (...)
P. -O que entendem por mistos?
R. -Os animais, os vegetais e os minerais.
P. -Quem dá aos mistos o movimento, o sentimento, o alimento e a substância?
R. -Os quatro elementos: o fogo dá o movimento, o ar dá o sentimento, a água, o
alimento, e a terra, a substância.
P. -Para que servem os quatro elementos redobrados?
R. -Para engendrar a Pedra Filosofal se se for bastante industrioso para Ihes dar o
fogo conveniente e Ihes dar os pesos da natureza.
P. -Qual é o grau de fogo?
R. -Trinta e duas horas para a putrefacção, trinta e seis para a sublimação,
quarenta para a putrefacção...
B) Os rituais alquímicos do Barão de Tschoudy (1724 -1769) e os Estatutos
dos "Filósofos Desconhecidos":
O nome desta Sociedade dos "Filósofos Desconhecidos" parece ter sido inspirado
pelos "Estatutos dos Filósofos Desconhecidos", incluidos na obra do Cosmoplita
(o alquimista polaco Michel Sendivogius), Tratados do Cosmopolita novamente
descobertos (12).
-A Estrela Flamejante (1766)
Este Rito é "verdadeiramente alquímico" (13), e no seu catecismo (destinado a
aprendizes, companheiros e professos) é feita uma descrição da Grande Obra
Alquímica, inspirada nos textos do alquimista Michel de Sendivogius (1566-1646),
o Cosmopolita (que também influenciou Dom Pernety), particularmente Nova Luz
Química e Cartas Filosóficas.
Da "instrução para o grau de adepto ou aprendiz Filósofo Sublime e
Desconhecido", retiremos a seguinte passagem:
P. -De que mercúrio devemos servirmo-nos para a Obra?
R. -De um mercúrio que não se encontra sobre a terra, mas que é extraído dos
corpos, mas nunca mercúrio vulgar...
P. - Como chamas a esse corpo?
R. -Pedra bruta ou caos, ou "iliaste'; ou "hylé".
P. -É essa mesma pedra bruta cujo símbolo caracteriza os nossos primeiros
graus?
R. -Sim, é a mesma que os maçons trabalham a desbastar e da qual eles querem
retirar as imperfeições; essa pedra bruta é, por assim dizer, uma porção desse
mesmo caos, ou massa confusa desconhecida e desprezada por todos... (14)
-O Cavaleiro do Sol
A Ordem ou "Sociedade dos Filósofos Desconhecidos" possuiu um sistema
maçônico baseado no Hermetismo e na Alquimia, num contexto cristão, cujo
7°, Grau, de "Cavaleiro do Sol", foi praticamente incluido no 28° Grau do Rito
Escocês Antigo e Aceite (codificado em 1802, em Charleston, E.U.A.) e no 51°,
Grau do Rito de Misraim. A sua palavra de passe é Stibium, Estibina (Sulfureto de
Antimónio), uma das matérias primeiras da Alquimia operativo-laboratorial, e a sua
doutrina contém, segundo Michel Monereau (15), os seguintes temas: 1 -existe um
primeiro princípio, incognoscível, que penetra o universo em todos os seus planos;
2 -a vida humana é apenas um ponto face à eternidade; 3 -a harmonia universal
resulta do equilíbrio engendrado pela analogia dos contrários; 4 -o absoluto é o
espírito que existe por si próprio; 5 -o visível é apenas a mainfestação do invisível;
6 -o mal é necessário à harmonia universal; 7 -a analogia é a única chave da
natureza.(16)
C) A Ordem dos "Arquitectos Africanos" e o "Crata Repoa" (1770)
A Ordem dos "Arquitectos Africanos", ou dos "Irmãos Africanos" ("africanos"
querendo dizer "egípcios"), foi instituída em 1767, na Prússia, sob os auspícios
de Frederico o Grande (inspirador e protector de outros graus e ritos maçónicos
entre os quais o Rito Escocês Antigo e Aceite) e teve como Grão Mestre von
Koppen, ilustre membro da Estrita Observância Templária (organização maçónico-
templária dirigida pelo Barão Carl von Hund). Estava organizada em 7 classes:
1ª, Pastophoris; 2ª, Néocoris; 3ª, Melanophoris; 4ª, Chistophoris; 5ª, Balahata; 6ª,
Astrónomo da Porta de Deus; 7ª, Profeta ou Saphenath Pancah.
Este sistema hermético "visava revelar os segredos do antigo Egipto" (17) e
estava baseado no livro do "Crata Repoa" publicado em 1770, na Alemanha, onde
figuravam os graus desta "antiga maçonaria". Após ter passado pelas Trevas (no
3°. Grau, na "Porta da Morte" do Mestre Osíris), de onde apenas sairia após ter
adquirido "verdadeiros conhecimentos", e de ter atingido a Luz após a "Batalha
das Sombras" do 4°. Grau - onde receberia o "escudo de Isis" -, o iniciado assistia
no 5° Grau a uma representação da morte da Serpente - Typhon, por Horus, finda
a qual o Balahata aprendia a "química" (isto é, a Alquimia), "a arte de decompor as
substâncias e de combinar os metais":
D) Cagliostro e o Ritual da Maçonaria Egípcia
Este ritual -mais hermético do que alquímico-laboratorial, visto que ele aponta no
sentido das "alquimias internas" (não psico-espirituais, mas fisiológico-espirituais)
-inclui umas "quarentenas espirituais", durante as quais cada um receberá
propriamente o Pentágono (Estrela Flamejante), quer dizer, essa folha virgem
sobre a qual os Anjos primitivos imprimiram os seus números e selos, e com a
qual ele se tornará Mestre (...) e o seu espírito ficará cheio de um fogo divino e
o seu corpo se tornará puro como o da criança mais inocente (...) com um poder
imenso, não aspirando senão ao repouso para atingir a imortalidade e poder dizer
dele próprio: Ego sum qui sum (Eu sou o que é).
O objectivo do seu Rito -a imortalidade conquistada durante a vida física -pode ser
resumido por uma frase extraída do seu catecismo: «Tendo sido criado à imagem
e à semelhança de Deus, eu recebi o poder de me tornar imortal e de ordenar aos
seres espirituais para reinar sobre a terra».
Em 1784, Cagliostro fundou a Loja-mãe do seu Rito, "A Sabedoria Triunfante",
mas o Rito em si parece não ter sobrevivido ao seu criador.
E) Os "Arcana Arcanorum" do Rito de Misraim e de Menfis-Misraim
Os "Arcana Arcanorum" (Mistério dos Mistérios) são os últimos graus do Rito
de Misraim e do Rito de Menfis-Misraim que, embora constituídos nos começos
do século XIX, estão baseados em textos do século XVIII (18), entre os quais
provavelmente alguns de Cagliostro.
No 88° Grau "o iniciado deve... receber os influxos celestes e... sentir bater nele
a vida universal, depois de o «orvalho celeste» ter descido nele para fecundar
o germe que ele traz dentro de si". Após o 89°, Grau, que "permite um contacto
com o invisível", vem o 90º. Onde é dito que: «Toda a vida oscila entre estes dois
polos: Matéria e Espírito; Bem e Mal; Felicidade e Sofrimento. Toda a iniciação
deve conduzir-nos da Lua ao Sol, de Isis a Osiris, da Matéria à essência divina».
Segundo Jean-Pierre Giudicielli (19) "É no grau do Cavaleiro Rosa Cruz que se
desenvolve um Wuei Tan (via exterior) e não um Nei Tan, que é a obra mais
avançada. Com efeito, o 18° Grau diz respeito às duas etapas clássicas da via
exterior... Mas é sem equívoco possível, nos últimos graus de Misraim (87°, 88°,
89°, 90°), também chamados Escala de Nápoles, que residem certas chaves
operativas da alquimia interna do Corpo de Glória (nei Tan), a qual já tinha sido
anunciada no 12°. Grau de "Grande Mestre Arquitecto":
A suprema ambição dos Grandes Mestres Arquitectos é de fazer viver em eles a
verdade e de comer o fruto da Árvore do conhecimento, de serem deuses.

Conclusão

Estes ritos e rituais herméticos e alquímicos aparecem, no século XVIII, num
contexto maçônico ou para-maçônico no ambiente iniciático que se pode
denominar, numa perspectiva generalizada, de "Maçonaria dos Antigos", esotérica
e mesmo ocultista.
Por falta de tempo não nos foi possível referir os Ritos da " Rosa Cruz de Ouro"
(Alemanha, 1777) e da "Rosa Cruz de Ouro do Antigo Sistema" (Alemanha, 1781),
ambos de natureza hermética e alquímica, o que ficará para uma segunda parte
desta introdução.

Notas

(1) Escolhemos esta denominação para distinguir a alquimia que é
praticada em laboratório -também denominada de "física": embora
ela pretenda promover a espiritualização da matéria, e nesse
sentido ela é também e essencialmente "espiritual" - das alquimias
denominadas "psicológicas", "espirituais", etc., as quais também apresentam
uma operatividade. Há outras alquimias que são também "operativas", como por
exemplo as "alquimias internas" que se desenrolam no interior do corpo humano
(vide a alquimia taoista).
Para uma definição de "alquimia operativo-laboratorial", ver a minha Tese de
Doutoramento em Antropologia (Universidade Nova de Lisboa, Faculdade
de Ciências Sociais e Humanas, Lisboa, 2002), intitulada "Hermes redivivo -
ressurgimentos da alquimia operativo-laboratorial na segunda metade do século
XX: novos movimentos alquímicos franceses".
(2) Para uma discussão deste tema, ver a minha Tese Complementar de
Doutoramento em Antropologia, na mesma Faculdade, "A Alquimia operativo-
laboratorial, como rito sacrificial"
(3) Veja-se a tradição de encontros entre alquimistas, na Catedral de Notre-Dame
de Paris referida nos começos do século XX, pelo alquimista (ou alquimistas...)
Fulcanelli (in "O Mistério das Catedrais", Lisboa, 1973, p.54): «Os alquimistas
do século XIV encontram-se aí, no dia de Saturno, no grande portal ou no
portal de S. Marcelo, ou ainda na pequena Porta Vermelha, toda decorada de
salamandras. Denys Zachaire informa-nos que o hábito se mantinha ainda no ano
de 1539, "nos domingos e dias de festa" e Noel du Fail diz que «o grande encontro
de tais académicos era em Notre-Dame de Paris». Aí (...) cada um expunha o
resultado dos seus trabalhos, desenvolvia a ordem das suas pesquisas. Emitiam-
se probabilidades, discutiam-se possibilidades, estudava-se no próprio local a
alegoria do belo livro e a exegese abstrusa dos misteriosos símbolos não era a
parte menos animada destas reuniões.»
(4) Para uma sucinta, mas esclarecedora discussão desta diferença
entre "antigos" e "modernos", veja-se o interessante livro de Jean Solis, Guide
Pratique de la Franc-Maçonnerie, Ed. Dervy, Paris, 2001 (livro que contém, no
entanto, algumas incorrecções sobre as Obediências regulares no mundo, mas
que o autor se propõe rectificar brevemente, conforme comunicação pessoal
recente).
(5) Dom Pemety, Rituel Alchimique Secret, Viareggio, Ed. Rebis, 1981.
(6) Foi tradutor ( e comentador) de um tratado de matemáticas alemão, colaborou
no 8°. Volume de Gallia Christiana, publicou um comentário da Regra de São
Bento, com o título de Manuel bénédictin e, estando já destacado na Abadia de
Saint-Germain des Prés, também um Dictionnaire portatif de peinture, de sculture
et de gravure, procedendo nessa ocasião a estudos de Botânica ( cf. J. Bricaud,
Les Illuminés d'Avignon, pp. 5-7).
(7) Redição em 1971, na Ed. Arché, Milão, e em 1982, nas Ed. La Table
d'Emeraude, Paris.
(8) Reedição em 1972, em Milão, na Arché, e no mesmo ano, na Denoel, em
Paris.
(9) Ver artigo 2 dos Estatutos a p. 3 do Rituel Alchimique Secret (op. cit.).
(10) J. Bricaud, op. cit., p. 33.
(11) cf. pp. 19-21 do Rituel Alchimique Secret (op. cit.)
(12) Bernard Roger, "Introdução" a Nouvelle Lumiere Chymique, Paris, Retz ,
1976, p. 23. Ver também Zbigniew Sydlo, Michael Senvivogius and the «Statuts
des Philosophes Inconnus", in "The Hermetic Journal", 1992, pp. 72-91.
(13) Michel Monereau, Les Secretes hermétiques de la Franc-Maçonnerie, Paris,
Axis Mundi, 1989, p.27.
(14) ibid.; a tradução é nossa.
(15) Les Secrets Hermétiques de Ia Franc-Maçonnerie, pp. 26-27.
(16) ibid.; a tradução é nossa.
(17) Michel Monereau, op. cit., pp. 38-39
(18) Michel Monereau, op. cit., pp. 43-44.
(19) In Pour la Rose Rouge et la Croix d'Or, Paris, Axis Mundi, 1988, p. 68.

Bibliografia
Anónimo -Les Initiations antiques -t. II -Crata Repoa ou Initiations aux anciens
mystères des prêtres d'Égypte, Paris, 1770 (e 1821), reed., Rouvray, Les Éditions
du Prieuré, 1993.
Amadou, Robert -Cagliostro et le Rituel de la Maçonnerie Égyptienne, Paris,
SEPP, 1996.
Bayard, Jean-Pierre -Symbolisme Maçonnique Traditionel- II: Hauts grades et
Rites anglo-saxons, Paris, EDIMAF, 3a. Ed. rev. e aum., 1987.
Bricaud, Joanny -Les Illuminés d'Avignon -étude sur Dom Pernety et son groupe,
Paris, 1927 (reeditada em 1995, pela SEPP, Paris).
Caillet, Serge -Arcanes et Rituels de la Maçonnerie Égyptienne, Paris, Guy
Trédaniel Ed., 1994.
La Sainte Parole des Illuminés d' Avignon, in "Le Fil d' Ariane" no.43-44 (Été-
Automne 1991), Walhain-St-Paul, Belgique, pp.19-51.
Caro, Roger -Rituel F.A.R.+C et deux textes alchimiques inédits, edição do autor,
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Faivre, Antoine -El Esoterismo en el siglo XVIII (trad. espanhola da obra
L'Ésotérisme au XVIIIe Siècle, Paris, 1973), EDAF, Madrid, 1976.
Giudicelli de Cressac-Bachelerie, J.-P. -Pour la Rose Rouge et la Croix d'Or, Paris,
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Labouré, Denis -De Cagliostro aux Arcana Arcanorum, in "L'Originel" no.2, Paris,
1995.
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